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ARTES INTEGRADAS: Ensino de Arte e Interdisciplinaridade

RESUMO

O documento da BNCC (2017) apresenta muito pouco do que são as artes integradas, elas são uma grande potência para a ampliação, renovação do ensino em nosso país, principalmente quando envolve o ensino de arte e interdisciplinaridade. Elas aprofundam a instrução e fortalecem os sujeitos na constituição de si e de seu conhecimento, permitindo sujeitos mais preparados para as demandas do século XXI.

A partir do aporte teórico de Dewey (2010), Eisner (2002), Gardner (2011) [1983] pudemos definir um conceito de artes integradas (ainda temporário) e compreender aspectos pedagógicos- metodológicos que estruturam suas práticas. Este artigo tem como objetivo apresentar os aspectos mencionados com o intuito de promover discussões sobre o tema das artes integradas mostrando seus elementos constituintes, a fim de contribuir para o ensino de arte coerente.


INTRODUÇÃO

O ensino de arte e interdisciplinaridade se contextualizam num mundo em que a conexão e o contexto são importantes para a percepção do que está ao redor dos sujeitos e da ampliação do seu conhecimento, seja no âmbito social, cultural, econômico, histórico, psicológico, emocional, eles se apresentam múltiplos, complexos e globalizados. Estes fazem parte do mundo, é o próprio mundo. Dentro das escolas o ensino de arte se amplia, não acontecendo mais voltada para si mesma, mas está conectada e interacional, exigindo das escolas a criação de novas pedagogias ou mudanças pedagógicas propõe pouco diálogo com esse mundo em sua multiplicidade.

Assim, o presente artigo apresenta as artes integradas como uma abordagem metodológica que extrapola as paredes das práticas e provoca uma ampliação de currículos, apesar de terem sido colocadas no documento da BNCC (2017), sendo apresentadas sem contexto conceitual ou metodológico, tornando um vislumbre futuro do retorno da polivalência, o que seria um triste retrocesso.

Diante disso, para atuar por meio do ensino de arte e a interdisciplinaridade de forma coerente no contexto atual, se faz necessária a compreensão de conceitos pertinentes neste tipo de relação e em sua constituição. Exige-se também, uma mudança de postura diante do conhecimento que se torna relacional, transformando a integração ou o ato de integrar em um hábito diário dentro da escola e não, uma mera proposta eventual.

Como objetivo, será apresentado neste artigo uma construção conceitual das artes integradas por meio dos seguintes autores: Dewey (2010), filósofo e educador que enfatizou a importância da experiência na formação dos indivíduos, o pensamento integrador, a valorização do ensino de arte e dos sentidos na aprendizagem. Eisner (2002), arte educador que defendeu as artes e a aprendizagem pelo campo cognitivo-sensório, formação do indivíduo através do seu contato com o mundo de forma sensível e sensorial, o que constitui e fortalece o aspecto cognitivo, que se dilata numa transformação de cérebro em mente, apresenta os processos cognitivos em que o homem se constrói e constrói seu conhecimento: inscrição, edição e comunicação.

Gardner (2011) [1983], psicólogo que contribuiu muito para a valorização da Arte na formação e aprendizagem dos estudantes, no entendimento de que existem diferentes formas de aprendizagem – Inteligências Múltiplas. Ainda, autores como Bunaford et al (2001), pesquisadores das artes integradas nos EUA, que tratam a integração artística como uma prática inovadora, interdisciplinar e de aprofundamento das aprendizagens dos estudantes, que propõe diferentes formas de ver e relacionar com o mundo, tratando do ensino de arte com outras áreas de conhecimentos por meio da interdisciplinaridade, como forma de garantir o preparo dos estudantes para o século XXI.

É importante ressaltar que este artigo é parte de nossa pesquisa de doutoramento sobre as artes integradas que está sendo realizado no Programa de Pós-Graduação em Performances Culturais – área Interdisciplinar – FCS/UFG. A metodologia utilizada se deteve na pesquisa bibliográfica, investigando por meio de diversos autores questões conceituais, filosóficas, históricas e pedagógicas sobre o tema das artes integradas.


1.ENSINO DE ARTE E INTERDISCIPLINARIDADE

Em nossa pesquisa propomos a compreensão da interdisciplinaridade por dois vieses, o primeiro, como um paradigma, no pensar e olhar, que deve ser conectado, interligado, conforme Fazenda (2001), que apresenta como devemos lidar com o conhecimento, como olhar o mundo em conexão uma outra postura diante dele. O outro, como forma de ação, que acontece conforme a intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas no interior de um mesmo projeto de pesquisa, Japiassu (1976). Ou seja, envolve as parcerias, trocas de relações e conexões entre conhecimentos e pessoas envolvidas, consideramos assim, a integração como o ato de integrar, uma ação que pressupõe a relação entre diferentes conhecimentos e das pessoas envolvidas, ou seja, parcerias.

Existe uma relação que é importante em todo esse processo: a relação entre pensamento (visão de mundo) e ação. Para uma integração eficiente, é necessário, primeiro, a mudança de pensamento e paradigma, conforme Morin (2004), é a partir disto que o ato de ligar e conectar no mundo fará sentido para os/as professores/as e estudantes. Assim, conforme a capacidade de conexões dos sujeitos, a integração pode alcançar os níveis interdisciplinar ou transdisciplinar, conforme foi identificado em nossa pesquisa de mestrado Faria (2009), necessitando superar o ‘status’ de proposta dentro da escola e passar a ser um hábito, o qual é praticado na relação entre pensamento, ação e parcerias. A integração como pensamento está presente na mente e olhar do sujeito, que percebe conexões e consegue conectar conhecimentos em sua prática, é algo orgânico porque ele vê tudo interligado. Mas chega o momento em que o aprofundamento dos conhecimentos não está ao seu alcance, porque pertencem a outra área, sendo necessária a parceria, o outro para compor esta relação, criando diálogos, trabalhando em conjunto, atuando no ato de integrar mais dinâmico e visceral, onde eu preciso saber lidar com o que é do outro e com o outro.

A respeito da transdisciplinaridade Santos (2008) ressalta que, A transdisciplinaridade propõe-se a transcender a lógica clássica, a lógica do “sim” ou “não”, do “é” ou “não é”, segundo a qual não cabem definições como “mais ou menos” ou “aproximadamente”, expressões que ficam “entre linhas divisórias” e “além das linhas divisórias”, considerando-se que há um terceiro termo no qual “é” se une ao “não é” (quanton) (SANTOS, 2008, p.74).

Tratar da transdisciplinaridade dentro da escola demanda uma relação aprofundada entre pensamento e ação em complexidade, enfatizando o multidimensional e multirreferencial, incluindo as questões existenciais, locais e globais, numa perspectiva contextualizada e relacional. Mas, o mais importante é compreender que a integração em ação não acontece sozinha, mas necessita ser orgânica, cheia de vida, para que os/as professores/as e estudantes consigam encontrar sentido em seu processo educativo.

As artes integradas acontecem quando há abertura para a imaginação, ampliação do conceito de arte, para as metáforas, a criatividade, e, principalmente, a contextualização. É por meio da contextualização que os caminhos para o interdisciplinar acontecem. Por meio dela, relações que colocam os sujeitos e suas realidades em contexto acontecem, deixando de ser algo abstrato e se tornando real para os sujeitos. A integração artística exige conteúdos e processos cognitivos e metacognitivos, ou seja, os sujeitos reconhecerão seu processo de aprendizagem e construção do seu conhecimento. Para os estudantes, estas questões são necessárias para o desenvolvimento de habilidades que perpassam pelo criar, inovar, comunicar, colaborar, pensar criticamente para resolver problemas.

Atualmente, existem outras demandas que exigem novos padrões de como lidamos com o mundo, influenciando em como aprendemos e ensinamos, promovendo a redefinição das experiências tradicionais de ensino e aprendizagem. Neste processo de redefinir as experiências, interligar e ampliar as relações com o mundo se tornam primordiais no desenvolvimento da aprendizagem.

A integração curricular é um processo importante e que está se tornando inevitável, resta saber se a compreensão dos conceitos e processos será algo apurado e analisado com responsabilidade, além de se proporcionar oportunidades para explorar, criar, imaginar, etc. Ela reflete os sistemas de valores sobre os propósitos do ensino e da aprendizagem,  a integração, sendo uma metodologia e uma forma de lidar com o conhecimento, ajuda os alunos a negociar e pesquisar por entre problemas, suas necessidades pessoais e sua conexão com a comunidade em geral, alargando e extrapolando as fronteiras dos conhecimentos. Assim, o ensino aprendizagem não fica fechado em si mesmo, mas proporciona-se uma continuidade em que mais e mais conhecimentos e aprendizados são desenvolvidos.

Por exemplo, a integração entre dois assuntos, música e matemática não pode ser um fim em si mesmo, pois tal conexão promove a uma continuidade de habilidades, conteúdo e conceitos. Ocorre uma expansão de significados de aspectos que contribuem no desenvolvimento dos sujeitos. Nesse ponto, a integração significativa do currículo gera uma exploração genuína de conceitos. A integração reúne professores e estudantes para o co-ensino e aprendizado, sendo um meio, uma metodologia, que aprofunda a instrução e o aprendizado, para uma maior compreensão social, visão complexa e interessante do mundo.


2.ARTES INTEGRADAS – AUTORES BASILARES

Alguns autores foram importantes na construção teórico-filosófica das artes integradas, como Dewey (2010), Eisner (2002) e Gardner (2011) [1983] que foram basilares na estruturação das concepções e práticas da integração artística. Não se sabe ao certo quando as artes integradas surgiram, segundo Burnaford et al (2001) a literatura não é precisa quanto ao início da integração artística como uma abordagem para o desempenho acadêmico, mas existem sinais de que as artes integradas são citadas em documentos de 1939, como o ‘The Integrated School Art Program’. Neste texto, a arte é defendida como lugar importante entre as disciplinas, devendo ter um lugar no currículo e que a integração exige mudança e um currículo dinâmico.

O que são as artes integradas? Elas se apresentaram no Brasil a partir das décadas de 70 e 80 com propostas interdisciplinares da Escolinha de Arte, mas logo foi substituída pela polivalência, diluindo o ensino das linguagens artísticas para um professor somente, este, nem sempre era um professor de arte. Em contrapartida, no contexto da arte educação levantou-se uma luta pela especificidade de cada área artística e seu reconhecimento como área de conhecimento. Com o tempo, a complexidade do mundo e a necessidade de interligação dos saberes foi se apresentando cada vez mais forte no âmbito da educação, e as artes integradas, que estavam ali, de forma tímida, reapareceram no cenário brasileiro, em algumas instituições específicas de ensino de arte.

Em 2009, realizamos nossa pesquisa de mestrado sobre as artes integradas, esta foi por muito tempo a primeira pesquisa sobre a temática no país, e depois de uma década, ocorreram pouquíssimas pesquisas sobre a temática. É importante observar que ao se realizar uma busca sobre o tema na internet, poderão ser encontradas algumas ações e lugares que trabalham com as artes integradas. Por meio de um olhar mais atento sobre os lugares e os processos desenvolvidos poderá se perceber dois pontos importantes: 1) a maioria dos lugares não são escolas, são espaços especializados em arte, como centros artísticos e 2) são poucos os lugares que trabalham com processos realmente integrativos. Outro ponto importante a destacar, é que não temos muito o hábito de realizar pesquisas com o viés das artes integradas dentro dos processos pedagógicos em escolas de ensino regulares em nosso país, até porque, só agora elas estão, de fato, neste contexto por causa da BNCC.

Destacamos aqui um dos espaços especializados que encontramos que cita, realmente, um trabalho integrado em suas práticas. As aulas acontecem no contra turno e trabalham a partir de conhecimentos variados e contextualizados conforme a idade de seus estudantes. Citamos o Instituto Tear, que, inclusive, tem uma concepção de artes integradas interessante, é uma abordagem filosófica utilizada como guia para as práticas tearteiras, ela baseia-se nos princípios de diálogo, autoria, parceria, gestão compartilhada e produção colaborativa de conhecimentos. Mobiliza a participação de todos, de forma crítica e propositiva, visando o envolvimento dos diversos atores no planejamento, execução e avaliação das ações (TEAR, s/d, online).

É possível perceber que a concepção de artes integradas é maior que uma metodologia. Alguns autores pesquisados, como Marshall (2015) e Burnaford et al (2001), também têm mostrado uma concepção ampliada, pois para eles as artes integradas são uma forma de ver o mundo e relacionar com ele e com o conhecimento. São poucos os lugares como esse que mencionam e oferecem um trabalho integrado, assim como o Instituto Girassol, embora também não seja uma escola básica. Outros centros de formação encontrados citam as artes integradas, mas como forma de mostrar a reunião de vários cursos e modalidades artísticas diferentes em um só lugar.

Com a BNCC (2017), as artes integradas foram apresentadas para o contexto escolar brasileiro de maneira descontextualizada, sem algum conceito consistente, metodologia ou forma de desenvolvê-las, dando margem para possíveis equívocos polivalentes. Nosso intuito com esta pesquisa é investiga-la em seus aspectos, defendendo-a como uma abordagem metodológica e visão de mundo que pode ser realizada dentro do contexto escolar de maneira coerente e eficaz, que valoriza a especificidade de cada linguagem artística que, por meio das parcerias, amplia o lugar da arte na escola, desenvolvendo assim, um trabalho integrador e transformador que alcança as necessidades do tempo presente.

Para tanto, conseguimos construir, até o momento, um conceito de artes integradas que melhor define o que elas são, a partir do pensamento dos autores: Dewey (2010), Eisner (2002), Marshall (2015), Burnaford et al (2001) e Gardner (2011) [1983], entre outros. O conceito (ainda em construção) se apresenta da seguinte forma: as artes integradas se pautam no ideário do integrar, que pesquisa, conecta, relaciona os conhecimentos, habilidades, conceitos, conteúdos e metodologias, promovendo a exploração sensorial (sentidos) e a experiência real, aquela que possui o começo, o meio e o fim, mas que provoca e faz contato com outras e novas experiências seguintes, pautadas e direcionadas na perspectiva artística (incluindo música, teatro, dança e artes visuais), que promove a consciência do estudante de suas próprias aprendizagens, possibilitando-o criar, editar, e demonstrar suas sínteses por meio de produções que se amparam através do olhar artístico.

A partir deste conceito, apresentaremos os pensamentos dos autores supracitados. Dewey em seu livro ‘Arte como experiência’, contribuiu para a defesa da arte como disciplina importante, bem como da integração no currículo escolar. Com o aprofundamento de seus estudos e pesquisas, o autor cria modelos educacionais progressistas que enfatizavam os princípios democráticos, argumentando que o envolvimento nas artes poderia desempenhar um papel importante na educação cotidiana e estabelecer uma base para o desenvolvimento e implementação subsequentes.

Dewey (2010), que muitos autores americanos o consideram basilar para as artes integradas, por abordar a integração de conhecimentos, mostra a importância da experiência nos processos do aprender, considerando-a como resultado da interação homem e mundo, que é a importante relação do homem com o seu meio, que amplia a percepção e gera a experiência real. O autor valoriza a aprendizagem que envolve o ambiente e os sentidos, como forma de proporcionar a experiência e, assim, o aprendizado significativo.

A experiência, tem um importante papel na formação dos indivíduos, por ela fazer uso da relação do presente com modos de aprendizagens passadas, “as experiências tomam algo das experiências passadas e modificam de algum modo as experiências subsequentes” (DEWEY, 1976, p. 45). Ou seja, essa experiência que o autor destaca não é aquela termina em si mesma, mas que se relaciona com o porvir, daí este movimento entre passado e futuro. Na aprendizagem, isto traz significado, transformação para o sujeito, e um movimento que se relaciona com o poético e estético, que o instiga a perceber e relacionar com o mundo de formas diferentes. É possível perceber dois movimentos inerentes no vivenciar da experiência. O primeiro deles, se concretiza na relação homem e mundo, conforme Dewey (2010) [1934], a experiência se dá pela interação do homem com o meio, ou seja, há uma relação que acontece e se constrói também no coletivo, ou seja, na cultura. Deste coletivo, muitos significados interagem, concordam, discordam, sendo possível criar até mesmo um imaginário coletivo, o qual pode gerar experiências coletivas.

Já o segundo movimento, que é a base (suporte) para que o primeiro movimento aconteça, se dá pela percepção do indivíduo como sujeito de uma cultura, de suas memórias, valores e significados, gerados por experiências passadas que interpenetram em novas experiências. Eis aí quando a experiência se torna consciente, quando nela se estabelece uma relação dos significados provenientes de experiências passadas com a atual, isto faz com que ela não seja uma ação em si mesma, mas se apresentam em um contínuo, reverberando em outras possibilidades e na percepção do homem, se tornando significativa para ele. Existe, então, uma relação interna, momento que o sujeito revê suas concepções, constrói outras, e num continuum, movimento interno e externo, a experiência se constitui. Conforme Dewey (2010),

Isso porque, embora as raízes de toda experiência se encontrem na interação do ser vivo com seu meio, essa experiência só se torna consciente, objeto da percepção, quando nela entram significados derivados de experiências anteriores. A imaginação é a única via pela qual esses significados podem chegar à interação atual; ou melhor, como acabamos de ver o ajuste consciente entre o novo e o velho é a imaginação. A interação do ser vivo com o ambiente é encontrada na vida vegetal e animal, mas a experiência vivenciada só é humana e consciente à medida que aquilo que se dá no aqui e agora é ampliado por significados e valores extraídos do que está ausente na realidade e presente apenas na imaginação (DEWEY, 2010, p. 469).

Diante disso, quero tratar destas questões no ato do ensino e aprendizagem e para dentro da escola. É interessante destacar que em sua obra Experiência e Educação, Dewey [1938] (1976) constata que tanto a escola tradicional, quanto a escola pragmática possuem experiências, mas que as qualidades de ambas são diferentes. Existem dois aspectos,

A qualidade de qualquer experiência tem dois aspectos: o imediato de ser agradável ou desagradável e o mediato de sua influência sobre experiências posteriores. O primeiro é óbvio e fácil de julgar. Mas, em relação ao efeito de uma experiência, a situação constitui um problema para o educador. Sua tarefa é a de dispor as cousas para que as experiências, conquanto não repugnem ao estudante e antes mobilizem seus esforços, não sejam apenas imediatamente agradáveis, mas o enriqueçam e, sobretudo, o armem para novas experiências futuras. Assim como homem nenhum vive ou morre para si mesmo, assim nenhuma experiência vive ou morre para si mesma. Independentemente de qualquer desejo ou intento, toda experiência vive e se prolonga em experiências que se sucedem. Daí constituir-se o problema central de educação alicerçada em experiência a seleção das experiências presentes, que devem ser do tipo das que irão influir frutífera e criadoramente nas experiências subsequentes (DEWEY, 1976, p. 16- 17).

Uma grande questão da educação é a mobilização do estudante quanto à sua disposição no desenvolvimento e construção de seu conhecimento, ser um processo real, agradável e ativo, proporcionando a conexão com próximas experiências. Tanto o papel quanto a promoção da experiência são de extrema importância no âmbito educacional e deveria ser uma preocupação do educador durante a prática pedagógica. Mas é importante destacar uma pergunta: por quais processos pedagógicos e metodológicos se conseguem propor experiências reais, aquelas em movimentos internos e externos, que geram significados, além de mobilizar os estudantes na própria construção do conhecimento?

Nas interações, a ideia da não compartimentalização das coisas deve ser o que rege as mentes dos participantes. Dewey (2010) mostra que a ideia da não compartimentalização dos conhecimentos e áreas acontece “na vida que é verdadeiramente vida, tudo se superpõe e se funde” (p.82). A ideia é restabelecer a continuidade entre o conhecimento, a arte, os fatos, a vida, os indivíduos, reconhecendo-os como experiência, lembrando que ela é o fato consumado da relação do homem com estas instâncias, possivelmente, ao mesmo tempo. Destaque para a continuidade que será tratada em seu sentido como tal, mas também como percurso e processo que gera outros processos, que tem o intuito de promover o que já foi citado acima: o movimento humano, a motivação e disposição na construção do conhecimento nos processos pedagógicos.

É importante destacar que estes aspectos são intrínsecos às artes integradas, fazem parte de sua constituição e estrutura. A não compartimentalização tanto entre conhecimentos, como entre pessoas, deve ser ressaltada por meio de interações por vários vieses, sejam disciplinares, metodológicos, de habilidades, sociais, físicos, emocionais, intelectuais, entre outros, devendo ser uma relação de qualidade. Desta forma, pela orientação pedagógica, é importante aprender sobre os materiais e técnicas e como se constitui o conhecimento, porque estes são os veículos que, neste tipo de relação, tornam a interação comum em uma interação estética.

Elliot Eisner (2002), também é um autor basilar no pensamento das artes integradas por ser um defensor das artes e da aprendizagem pelo campo cognitivo- sensório no contexto escolar. O que realmente importa para ele é a formação do indivíduo através do contato deste com o mundo de forma sensível e sensorial, o que constitui e fortalece o aspecto cognitivo, que se dilata numa transformação de cérebro em mente.

Sobre a contribuição da arte no processo educativo, Eisner (2008) [2002] escreve que elas dão aporte para o desenvolvimento cognitivo. Ele observa que as formas que usamos para representar o que pensamos, seja linguagem literal, imagens visuais, número, poesia, afeta inteiramente o modo como pensamos e o que podemos pensar. E que deveríamos nos interessar em desenvolver múltiplas formas de alfabetização. Porque cada forma de alfabetização tem a capacidade de fornecer formas únicas de significado e é na busca de significado que boa parte da vida é vivida. Assim, segundo o autor, ao se trabalhar dentro de cada forma diferente de arte, os estudantes recebem ferramentas mais articuladas que outras, podendo ser uma aquarela, um instrumento mais refinado, uma argila, para descrever ideias complexas. Quanto mais os estudantes compreenderem e adquirem o domínio de elementos de uma forma de arte e o conteúdo do assunto principal, melhor poderão entender e se comunicar com nuances e profundidades variadas.

Outro ponto importante que Eisner (2002) apresenta é sobre os processos cognitivos em que o homem se constrói e constrói seu conhecimento. Ele destaca a representação, que é como o homem se apresenta no mundo em sua constituição, que conforme o autor, possui três funções cognitivas importantes na relação e interação dos indivíduos com o mundo: são denominadas de inscrição, edição e comunicação. Elas não ocorrem de forma fragmentada e nem se apresentam de forma linear, mas dialogam entre si, expandindo a consciência e o desenvolvimento do homem em suas relações e com o mundo.

Na educação e também no processo das artes integradas, todo esse movimento pode ser considerado como uma perspectiva pedagógico-metodológica, além disso, esses três processos estão no cerne da prática da integração artística porque acionam o protagonismo dos indivíduos. É uma dinâmica que faz girar a prática integrativa, porque ideias e/ou problemas surgem: sua inscrição é necessária como forma de registro, depois disso, a edição, que pode ser feita por meio de pesquisas ou diálogos, é necessária para o desenvolvimento da ideia, além das relações com outros aspectos e áreas.

A integração e relações acontecem, gerando algum produto, este, precisa entrar em contato com outras pessoas para se concretizar de fato no mundo e se naturalizar, assim, a comunicação ocorre para interagir, comunicar e contribuir, permitindo que o outro também faça sua contribuição, podendo promover o desenvolvimento cognitivo de toda uma comunidade. No caso da Arte, como ocorre a compreensão e significação na comunicação (fala) dos elementos como imagens, sons, desenhos, ideias que estão na consciência? Sem dúvida, o conhecimento específico de cada linguagem artística permitirá a interpretação e comunicação das obras e processos destes elementos.

Além disso, as manifestações artísticas se envolvem com a cultura que, por sua vez exerce um papel importante. Dela vem o que o autor chama de padrões de comunicação, que dão a oportunidade de os indivíduos  de uma  determinada  cultura aprender  e crescer. A cultura  é também uma grande área que possui conhecimentos interligados, que situam o homem como parte e agente de uma sociedade. Ela permite em boa parte que o sujeito se desenvolva por meio das relações com seus pares, como troca, é oferecido aos outros, material para que possam responder. É o que o autor chama de relacionamento simbiótico, que no âmbito educacional, ocorre de maneira a possibilitar trocas entre indivíduos e conhecimentos, comunicando, desenvolvendo habilidades e enriquecendo a vida um dos outros.

Um destaque importante que queremos ressaltar é a questão das inteligências múltiplas, muito presente nos alinhamentos curriculares na atualidade e na influência sobre a integração artística. Howard Gardner (2011) [1983] contribuiu muito para a valorização da arte na formação e aprendizagem dos estudantes, no entendimento de que existem diferentes formas de aprendizagem.

Kátia Smole (1999), trata das inteligências múltiplas de Howard Gardner (2011) [1983] em seu livro, ‘Múltiplas Inteligências na Prática Escolar’, dizendo que esta teoria foi proposta em meados da década de 80. Gardner embasou sua teoria em diferentes ideias, sendo que a que se sustentou foi a que defende que as pessoas demonstram diferentes habilidades, seja para compor uma música, construir um computador ou uma ponte, organizar um grande evento, entre outras. Outro detalhe é que estas atividades necessitam de algum tipo de inteligência, mas não necessariamente o mesmo tipo de inteligência. As pessoas possuem capacidades diferentes, das quais resolvem problemas, criam algo e produzem bens sociais e culturais, dentro de seu contexto.

Assim, integrar conhecimentos possibilita reunir além do próprio conhecimento, habilidades, perspectiva de mundo, técnicas diferentes, entre outros, do que se o processo educativo for realizado por apenas uma disciplina. As artes integradas proporcionam essa multiplicidade e dinâmica no momento da prática pedagógica, construir o conhecimento pelo viés artístico proporciona formas de expressões, de leituras, de práticas diversificada, utilizando-se de forma ampliada da poética, estética, metáfora e aspectos artísticos que fora desse contexto não seria possível. Isto proporciona uma inteireza para os sujeitos envolvidos, além da percepção da complexidade que pode surgir por meio das relações estabelecidas, saindo do óbvio e do que é estabelecido normalmente.

A teoria de Gardner (2011) [1983] abarca a seguinte proposição: existe mais de uma inteligência. Ele propôs sete, sendo possível que existam outras. Estas inteligências podem ser estimuladas, sofrendo influências no âmbito social e escolar. Por meio da exploração e realização de diferentes atividades, sendo que estes fatores podem muito interferir no desenvolvimento das inteligências. Elas são tão únicas e pessoais, que segundo Gardner (2011) [1983], as inteligências se combinam de formas diferentes em cada pessoa. O sujeito nasce com todas as inteligências, mas elas se desenvolvem de maneira única, conforme os estímulos vivenciados durante sua vida.

Desta forma, não há a possibilidade de padronizar as combinações, pode se dizer que são como impressões digitais. Daí tocamos no assunto sobre as escolhas no currículo e das experiências realizadas dentro da escola. O que cada sujeito vivencia em sua individuação e em seu coletivo, suas experiências o formam e o desenvolve para a realização de determinadas atividades. Muitas vezes, na escola, o estudante vivencia determinadas experiências, por exemplo artísticas, e se descobre alguém com afinidade e grande desenvoltura para aquilo, mas nem fazia ideia disso.

Isto também nos faz lembrar de Eisner (2002) e Dewey (2010), quando falam que o homem possui várias formas de aprendizagem e que o campo sensorial são portas de entrada para a experiência com o mundo.

Gardner (2011) [1983], apresenta diferentes domínios para se aprender, mostrando que a arte pode tocar em um todo maior na capacidade do homem de se relacionar com o mundo, mostrando a importância e valor da aprendizagem pelo viés artístico. Este estudo é relevante porque percebeu-se que o homem não aprende por apenas dois domínios, o linguístico e lógico/matemático, estes possuem maior predominância nas salas de aulas. E, infelizmente, mostra uma hierarquia da conhecimentos, quando isso acontece não existe integração, a integração só pode ser realizada quando há a equidade entre os conhecimentos, sendo todos importantes de igual modo.

Lembremos que esta é a mesma defesa de Dewey, podemos considerar que as inteligências podem ser desenvolvidas pelos sujeitos em maior ou menor grau, dependendo inteiramente de que a relação do homem com o mundo seja expandida. Os mediadores e os intermediários entre o homem e o mundo, que são os conhecimentos, seus materiais e qualidades além da cultura, deveriam encontrar no homem ‘portas abertas’, ou seja, os sentidos, para que uma maior quantidade possível de ‘sinapses’ e ‘simbioses’ pudessem ocorrer.

Possibilidades de criar novos caminhos pelos quais o homem pudesse expressar suas diferentes habilidades e formas de aprender e ser tocado pelo mundo. A arte pode ser um caminho, um dos conhecimentos com seus materiais e qualidades, que sensibiliza, ensina conhecimentos, e situa o homem em seu mundo.

Destacamos o seguinte trecho de Dewey,

Em toda experiência, tocamos o mundo através de um tentáculo específico; realizamos nossa interação com ele e ele chega até nós por um órgão especializado. O organismo inteiro, com toda sua carga do passado e de recursos variados, funciona, mas opera por meio particular, o dos olhos, ao interagir com o olhar, a audição e o tato. As artes lançam mão disso e o levam a seu máximo de significação (DEWEY, 2010, p.352).

Gardner (2011) [1983], constata que o homem aprende por outros domínios, além do linguístico e do lógico/matemático, e a ênfase desta teoria é que o repertório de domínios fosse expandido. Assim, ao tratar das inteligências musicais, espaciais, intrapessoais, interpessoais e corporais/cinestésicas, seria possível alcançar mais estudantes em seu aprendizado. E realizar uma construção formativa sobre os pontos fortes dos estudantes, por meio das inteligências mais dominantes, promovendo assim, uma aprendizagem significativa.

As artes integradas, com o foco na abrangência e educação integral dos sujeitos, se estruturam na compreensão da necessidade desta expansão, alcançar os estudantes em diferentes perspectivas como forma de ampliar habilidades e fortalecer os pontos fortes de cada um. Além disso, por meio das artes integradas há a possibilidade de se resolver um problema em diferentes perspectivas, mas com o olhar e direcionamento artístico, estético e poético.

Para Burnaford et al (2001), a integração artística começa com os pontos fortes das formas de arte, na integração, professores e alunos praticam essa reflexão profundamente. A presença e o conhecimento do artista ou professor de artes em relação a cada forma de arte apresentam aos professores outras formas de conhecer e refletir sobre o conhecimento. Com profundidade e amplitude não apenas no conhecimento do campo de conteúdo que o professor está trazendo, mas também na forma de arte que o artista ou professor de arte está trazendo.

Os autores destacam que a teoria das múltiplas inteligências tem sido uma abordagem maravilhosa para os professores. Muitos deles perceberam que nem todos os estudantes aprendem da mesma maneira, nem acessam informações e ideias pelos mesmos meios. A integração artística utiliza essa percepção inicial e constrói uma verdadeira profundidade de conhecimento e experiência, juntamente com a reflexão na forma de arte, bem como nos campos de conteúdo estudados na sala de aula.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consideramos que, a partir do exposto, o documento da BNCC (2017) apresenta muito pouco do que são as artes integradas, elas são uma grande potência para a ampliação, renovação do ensino em nosso país, principalmente quando envolve o ensino de arte e interdisciplinaridade. Elas aprofundam a instrução e fortalecem os sujeitos na constituição de si e de seu conhecimento, permitindo sujeitos mais preparados para as demandas do século XXI.

Assim, os autores destacados contribuíram muito com sua estruturação: Dewey (2010) com a experiência real e a não compartimentalização dos conhecimentos, Eisner (2002), com a valorização da arte na formação humana e a constituição do processo cognitivo e, Gardner (2011) [1983] com as inteligências múltiplas que mostram que desenvolver diferentes habilidades e tratar de problemas em diferentes perspectivas tornam o desenvolvimento humano abrangente e integral. Assim, concluímos que as artes integradas podem proporcionar ricas oportunidades para os diferentes profissionais, em destaque o artista, contribuindo, definindo e aperfeiçoando o trabalho com crianças e professores nas escolas.

As artes integradas são uma maneira de pensar sobre como os sujeitos aprendem e pensam, sendo uma maneira de conceber o ensino nas salas de aula que permite que os estudantes resolvam problemas, sejam conhecedores e críticos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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